Exposição individual, ZipUp (Zipper Galeria), SP
24/03 a 18/04/2015
curadoria Mario Gioia
fotos Gui Gomes
L’Esquive
O observador pode passear seu olhar pelas telas e pelos desenhos da artista fluminense Eloá Carvalho em Projetos da Minha Espera e encontrar alguma tranquilidade e placidez (em especial, nesses dias tão tristemente agitados). Porém, tal percepção é bastante enganadora. Não por se tratar de um ‘truque’ visual-conceitual pretendido por ela que se destinaria à tal artifício, e sim por, olhando com atenção, ser possível constatar o resultado de uma produção consistente e que se movimenta com inquietude, em contínua transformação. E, passando apreensões mais apriorísticas, podemos chegar a uma leitura que se afasta da pacificação forçada que contamina discursivamente variados âmbitos da nossa experiência diária. A obra de Carvalho desordena, e muito.
O que pode confundir quem apenas busca harmonia e ponderação talvez seja a silenciosa configuração em que os protagonistas pictórico-gráficos transitam, em trabalhos de menor ostensividade cromática e com espaços pouco habitados, cheios de vazio e brancura. Afinal, onde estaria o caos desse tempo de circulação maximizada de imagens e informações? Por onde caminhariam os fragmentos dessa comunicação que parece sempre em congestão?
Pois bem. A perturbação pode vir do espaço-tempo que foge dos parâmetros lineares. Nas séries Quase Arquivo e Director’s Cut, por exemplo, as figuras que frequentam os onipresentes eventos de abertura de exposições são originárias de diversas épocas. Não poderiam habitar o mesmo lugar. Mas como se aquietar num ambiente em que personagens que parecem vir de um mix singular de filmes de Antonioni e fitas by Embrafilme também coabitam com ‘atores’ algo hipsters dos nossos enredos cotidianos, esses cada vez mais virtuais, em que personas sem fisicalidade ou avatares são considerados tão reais e próximos?
Ao mesmo tempo, pinturas como Projeto para Cena ao Longe têm características de funcionar como espelhos atípicos, fazendo com que uma escala 1:1 provoque o espectador, sugerindo que ele explore outros planos num desejado extracampo. Tais estratégias ajudam na composição do que a artista qualifica de paisagem “subjetiva” e “improvável” e criam fecundos diálogos entre o cinema, o fotográfico (por meio de conceitos como o enquadramento) e as artes visuais (enfatizando, com uma visada contemporânea, o próprio gênero da paisagem).
E perpassa na produção da artista uma espécie de olhar hesitante, encarado no bom sentido do termo. Na construção das cenas, os protagonistas quase nunca nos fitam _ há muitos perfis, perspectivas de soslaio. Elementos arquitetônicos como guarda-corpos e muros estão presentes, a enfatizar a transitoriedade, em configurações espaciais de solidez tênue. Objetos cotidianos, como uma bicicleta ou uma mochila, ajudam em nossa identificação, mas, por outro lado, se afastam da concretude, em ambientes nos interstícios entre o onírico, o imaginário e o palpável. Atmosferas em desmanche, a salientar estados psicológicos de difícil precisão, mas de pungentes sensações. Imagens que vão embora, se aproximam, olham através, como uma misteriosa mulher, cujos traços são percebidos por meio do enigmático negrume que a absorve e a repele. Algo tão denso e essencial que serve como uma síntese da obra desassossegante de Eloá Carvalho.
English version
L’Esquive
The
observer can browse through the screens and drawings of the fluminense artist
Eloá Carvalho in Projetos da Minha Espera
and find some tranquility and placidity (especially in such sadly agitated
times). However, such perception is quite misleading. Not because it is her
intended visual and conceptual 'trick' that would be used to such an artifice,
but instead, through closer examination, because it is possible to verify the
result of a consistent production which moves with disquietude, in continuous
transformation. And after getting past a priori apprehensions, we can reach an interpretation
that draws away from the forced pacification which discursively contaminates various
areas of our daily experience. The work of Carvalho disorders - a lot.
What
may confuse those who seek only harmony and ponderation is the silent
configuration in which the graphic-pictorial protagonists traverse, in works of
lesser chromatic ostensibility and with sparsely inhabited spaces, full of
emptiness and whiteness. After all, where would be the chaos of these times of maximized
circulation of images and information? Where would roam the fragments of this
communication that seems to always be congested?
Well
then. The disturbance may come from the space-time that averts linear
parameters. In the series Quase Arquivo
and Director’s Cut, for example, the
figures attending the ubiquitous exhibition opening events originate from
various eras. They could not inhabit the same place. But how to rest in an
environment where characters that seem to come from a unique mix of Antonioni's
films and Embrafilme tapes, and to also cohabit with somewhat hipster 'actors'
of our everyday lives – the latter increasingly more virtual - and where personas
without physicality or avatars are considered to be so real and close?
At
the same time, paintings such as Projeto
para Cena ao Longe have the
characteristic of functioning as atypical mirrors, causing a scale of 1: 1 to
tease the viewer, suggesting the exploration of other planes within a desired extra-field.
Such strategies help in the composition of what the artist describes as
"subjective" and "unlikely" landscapes, and create fruitful
dialogues between cinema, the photographic (through concepts such as framing)
and the visual arts (emphasizing, with a contemporary view, the landscape genre
itself).
And
the production of the artist is pervaded by a kind of hesitant look, in the
positive sense. In the construction of the scenes, the protagonists almost
never gaze at us - there are many profiles, lateral perspectives. Architectural
elements such as railings and walls are present, emphasizing the transience, in
spatial configurations of tenuous substance.
Everyday objects such as a bicycle or a backpack, help us in our
identification, but on the other hand, distance themselves from that which is concrete,
in environments in the interstices between the oneiric, the imaginary and the palpable.
Disolving atmospheres, emphasizing psychological states of difficult precision,
but of pungent sensations. Images that go away, come closer, look through, as a
mysterious woman, whose features are perceived by means of the enigmatic
blackness that absorbs and repels her. Something so dense and essential that it
serves as a synthesis of this poingnant work of Eloá Carvalho.
Mario Gioia, march 2015