Exposição | Como se os olhos não servissem para ver

Como se os olhos não servissem para ver

Exposição individual na Galeria do Lago (Museu da República, RJ)
10/02 a 22/03/2015
Curadoria Isabel Portella

fotos Mario Grisolli



























































Ao passar pelo Palácio Nova Friburgo, levantou os olhos para ele com o desejo do
costume, uma cobiça de possuí-lo, sem prever os altos destinos que o palácio viria
a ter na República(...)
no Catete, passagem obrigada de toda a gente, que olharia para as grandes janelas, as grandes portas, as grandes águias no alto, de asas abertas (...)Santos imaginava os bronzes, mármores, luzes, flores, danças, carruagens, músicas, ceias... 
Machado de Assis, Esaú e Jacó



         Olhos servem para olhar. Para ver é preciso abrir a alma e deixar que entre algo mais do que imagens, luzes e sombras. É preciso que toda nossa bagagem nos acompanhe nessa jornada; cada pequena lembrança, cada leitura, emoção ou desventura devem estar presentes. Só assim poderemos perceber detalhes que certamente passarão despercebidos para outros tantos observadores. O que vemos é um reflexo do que somos, do que já sentimos ou experimentamos.
          Foi justamente pensando nessa diversidade, que a artista Eloá Carvalho se propôs a pesquisar opiniões e impressões de visitantes sobre o Palácio do Catete, o museu da República. Encantada, ela própria, com os elementos decorativos do prédio, com as minúcias, passou a visitar o palácio e os jardins históricos quase que diariamente. Desenhava o que a surpreendia e impressionava, e também escutava de amigos as lembranças de detalhes do local que permaneciam vivas em suas memórias. Ouviu por vezes que alguns, apesar da vontade, nunca haviam visitado o Museu.
          Surgiu então a ideia e Eloá propôs uma experiência. Os amigos que já conheciam o Palácio deveriam escrever uma carta relatando o que mais lhes agradara, os detalhes mais marcantes e imperdíveis. Os que não conheciam o local, ao receberem a carta, fariam uma visita e depois responderiam contando suas próprias impressões.
            O resultado foi empolgante e a artista selecionou várias opiniões que refletem diferentes modos de ver.  Uma volta no tempo, um encontro com nobres num ambiente de ostentação, aromas sutis e salas de jantar repletas de finas porcelanas e comidas de dar água na boca são alguns aspectos ressaltados pelos amigos de Eloá. Recomendam andar sem pressa, olhar para cima, prestar atenção nos detalhes, no exagero da ornamentação, nos anjinhos desnudos da escada, na flor de lis.  Pedem cuidado porque alguns detalhes enganam a vista; falam de um jogo do fora e do dentro, da baronesa à janela e dos criados de bandeja na mão.  As grandes águias de asas abertas remetem aos urubus que habitam a memória de um dos leitores/escritores! Uma diversidade impressionante de propostas e de visões!
             Como se os olhos não servissem para ver, exposição de Eloá Carvalho na Galeria do Lago, reúne os frutos da fascinante pesquisa. A literatura fez uso da linguagem para descrever o Palácio. Eloá serviu-se dos pincéis e lápis para contar sua história.  Vamos seguindo o fio pictórico de seus desenhos pelas várias possibilidades que vislumbramos - elementos decorativos do Palácio, traços em preto e branco, alguns mais detalhados que outros, mas sempre com a delicadeza da artista sensível e criativa que é Eloá Carvalho.

             Tal como o personagem de Machado de Assis, o Santos, visualizamos “os bronzes, mármores, luzes, flores, danças, carruagens, músicas, ceias...” e, “como se os olhos não servissem para ver”, vemos tudo com a imaginação, com a alma. O olhar contemporâneo da artista nos possibilita recriar os espaços urbanos, a sociedade e as práticas culturais de um século que tantas marcas deixou.

Isabel Portella, fevereiro 2015